domingo, 1 de abril de 2012



Rua dos rostos perdidos
Este vento não leva apenas os chapéus,
estas plumas, estas sedas:
este vento leva todos os rostos,
muito mais depressa.

Nossas vozes já estao longe,
e como se pode conversar,
como podem conversar estes passantes
decapitados pelo vento?

Não, não podemos segurar o nosso rosto:
as mãos encontram o ar,
a sucessão das datas,
a sombra das fugas, impalpável.

Quando voltares por aqui,
saberás que teus olhos
não se fundiram em lagrimas, não,
mas em tempo.

De muito longe avisto a nossa passagem
nesta rua, nesta tarde, neste outono,
nesta cidade, neste mundo, neste dia.
(Não leias o nome da rua, - não leias!)

Conta as tuas historias de amor
como quem estivesse gravando,
vagaroso, um fiel diamante.
E tudo fosse eterno e imóvel.

(Cecília Meireles)
Tuas palavras antigas
Deixei-as todas, deixeia-as,
Junto com as minhas cantigas,
Desenhadas nas areias.

Tantos sóis e tantas luas
Brilharam sobre essas linhas,
Das cantigas — que eram tuas —
Das palavras — que eram minhas!

O mar, de língua sonora,
Sabe o presente e o passado.
Canta o que é meu, vai-se embora:
Que o resto é pouco e apagado.

C. Meireles


No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança...
Terminado por um louco!

Quintana.