sexta-feira, 26 de junho de 2009

Tenho fases, como a lua ...







Pergunto-te onde se acha a minha vida.Em que dia fui eu.

Que hora existiu formadade uma verdade minha bem possuída

Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.

E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludidapor esperanças hereditárias?

E de cada pergunta minha vai nascendo a sombra imensaque envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Já não sei mais a diferençade ti, de mim, da coisa perguntada,do silêncio da coisa irrespondida.



***






Não: já não falo de ti, já não sei de saudades.Feche-se o coração como um livro, cheio de imagens,de palavras adormecidas, em altas prateleiras,até que o pó desfaça o pobre desespero sem força,que um dia, pode ser, parece tão terrível. A aranha dorme em sua teia, lá fora, entre a roseira e o muro.Resplandecem os azulejos- e tudo quanto posso ver.O resto é imaginado, e não coincide, e é temeráriocismar. Talvez se as pálpebras pudesseminventar outros sonhos, não de vida...Ah! rompem-se na noite ardentes violas,pelo ar e pelo frio subitamente roçadas.Por onde pascerão, nestes céus invioláveis,nossas perguntas com suas crinas de séculos arrastando-se...Não só de amor a noite transborda mas de terríveis crueldades, loucuras, de homicídios mais verdadeiros. Os homens de sangue estão nas esquinas resfolegando,e os homens da lei sonolentos movem letrassobre imensos papéis que eles mesmos não entendem... Ah! que rosto amaríamos ver inclinar-se na aérea varanda?Nem os santos podem mais nada. Talvez os anjos abstratosda álgebra e da geometria.




***


Não sei que tempo faz, nem se é noite ou se é dia.Não sinto onde é que estou, nem se estou. Não sei de nada.Nem de ódio, nem amor. Tédio? Melancolia.-Existência parada. Existência acabada. Nem se pode saber do que outrora existia.A cegueira no olhar. Toda a noite caladano ouvido. Presa a voz. Gesto vão. Boca fria.A alma, um deserto branco: -o luar triste na geada...Silêncio. Eternidade. Infinito. Segredo.Onde, as almas irmãs? Onde, Deus? Que degredo!Ninguém.... O ermo atrás do ermo: - é a paisagem daqui.Tudo opaco... E sem luz... E sem treva... O ar absorto...Tudo em paz... Tudo só... Tudo irreal... Tudo morto...Por que foi que eu morri? Quando foi que eu morri?




***


Pus o meu sonho num navioe o navio em cima do mar;- depois, abri o mar com as mãos,para o meu sonho naufragarMinhas mãos ainda estão molhadasdo azul das ondas entreabertas,e a cor que escorre de meus dedos colore as areias desertas.O vento vem vindo de longe,a noite se curva de frio;debaixo da água vai morrendomeu sonho, dentro de um navio...Chorarei quanto for preciso,para fazer com que o mar cresça,e o meu navio chegue ao fundo e o meu sonho desapareça.Depois, tudo estará perfeito;praia lisa, águas ordenadas,meus olhos secos como pedrase as minhas duas mãos quebradas.




***



Já tive a rosa do amor- rubra rosa, sem pudor.Cobicei, cheirei, colhi.
Mas ela despetalou E outra igual, nunca mais vi.
Já vivi mil aventuras,Me embriaguei de alegria!
Mas os risos da ventura,No limiar da loucura,Se tornaram fantasia...Já almejei felicidade,Mãos dadas, fraternidade,Um ideal sem fronteiras- utopia!
Voou ligeira,Nas asas da liberdade.
Desejei viver. Demais!Segurar a juventude,Prender o tempo na mão,Plantar o lírio da paz!
Mas nem mesmo isto eu pude:Tentei, porém nada fiz...Muito, da vida, eu já quis.Já quis... mas não quero mais...



***


Morro do que há no mundo:do que vi, do que ouvi.
Morro do que vivi.
Morro comigo, apenas:com lembranças amadas,porém desesperadas.
Morro cheia de assombropor não sentir em mim nem princípio nem fim.
Morro: e a circunferênciafica, em redor, fechada.
Dentro sou tudo e nada.




Cecília Meireles

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