terça-feira, 27 de dezembro de 2011




Olho o olho do outro,
penso o que ele pensa.

Voltar a mim é a minha
diferença.

Olho o olho até turvá-lo,
penso que ele não pensa.
Ir com a água é a minha
recompensa.



De Psia (1986)

Arnaldo Antunes


Meus cabelos captam a voz das coisas do espaço e do inespaço. As coisas: fungíveis e infungíveis, móveis, imóveis e semoventes, operam o fenômeno ou são o númeno. Queiramos ou não, as coisas nos cercam, nos integram, ou são presença na nossa memória. E nos espreitam com o enigma de seu olho plurimático. Aonde ninguém vai, aí penetra o olhar de alguma coisas. Testemunhas de virtudes e munditudes, de todas as nossas contradições, do sem-saber-para-onde-ir. Levam a marca dos nossos usos e abusos. Sofrem conosco? Riem conosco? ou de nós? Confidentes na solidão, inconfidentes para a perícia. As coisas nos encantam e desencantam. Umas coisas, talvez, nos libertem algum dia, e outras decerto dependurada trazem a morte consigo. As coisas nos mandam e desmandam, formam, deformam, informam, transformam. As coisas nos assaltam e improvisam. Com o xadrez de situações elaboram mais a surpresa do que a expectativa. As coisas nos precederam e nos sucederão. (É preciso reagir contra certas coisas.) Sentimo-nos sós no meio das coisas.



Linhares Filho

Das Coisas



Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.


Ana Cristina César



Quando entre nós só havia
uma carta certa
a correspondência
completa
o trem os trilhos
a janela aberta
uma certa paisagem
sem pedras ou
sobressaltos
meu salto alto
em equilíbrio
o copo d’água
a espera do café


Ana Cristina César;



Meu filho. Não é automatismo. Juro. É jazz do
coração. É prosa que dá prêmio. Um tea for two
total., tilintar de verdade que você seduz,
charmeur volante, pela pista, a toda. Enfie a
carapuça.
E cante.
Puro açúcar branco e blue.


Este Livro, Ana Cristina César



Angústia é fala entupida.


Ana Cristina Cesar



“As pessoas eram limitadas e cuidadosas, todas iguais. E eu teria que viver com esses fodidos pelo resto da minha vida, pensei. Deus, todos eles tinham cus e órgãos sexuais e bocas e sovacos. Cagavam e tagarelavam, e todos eram tão inertes quanto esterco de cavalo” (p.270)

Misto Quente
BUKOWSKI, Charles
"Estávamos todos juntos nisso. Todos juntos num grande vaso de merda. Não havia escapatória. Todos desceríamos juntos com a descarga."



Bukowski- Do livro Misto-Quente

terça-feira, 20 de dezembro de 2011




"Quero fazer uma homenagem aos excluídos emocionais, os que vivem sem alguém para telefonar no final do dia, os que vivem sem alguém com quem enroscar os pés embaixo do cobertor. São igualmente famintos, carentes de um toque no cabelo, de um olhar admirado, de um beijo longo, sem pressa pra acabar.
A maioria deles são solteiros, os sem-namorado. Os que não têm com quem dividir a conta, não têm com quem dividir os problemas, com quem viajar no final de semana. É impossível ser feliz sozinho? Não, é muito possível, se isso é um desejo genuíno, uma vontade real, uma escolha. Mas se é uma fatalidade ao avesso – o amor esqueceu de acontecer – aí não tem jeito: faz falta um ombro, faz falta um corpo. (...)
A boa notícia: você não é um sem-trabalho, sem-estudo e sem-comida – é apenas um sem-paixão. Sua exclusão pode ser temporária, não precisa ser fatal. Menos ponderação, menos acomodação, e olha só você atualizando sua carteirinha. O clube segue de portas abertas."

(Martha Medeiros, em: Coisas da vida)



"Surdo a qualquer zen-budismo o coração doía sintonizado com o espinho. Melodrama: nem amor, nem trabalho, nem família, quem sabe nem moradia — coração achando feio o não-ter. Abandono de fera ferida, bolero radical. Última das criaturas, surto de lucidez impiedosa da Big Loira de Dorothy Parker. Disfarçado, comecei a chorar. Troquei os óculos de lentes claras pelos negros ray-ban — filme. Resplandecente de infelicidade, eu subia a Rua Augusta no fim de tarde do dia tão idiota que parecia não acabar nunca. Ah! como eu precisava tanto que alguém me salvasse do pecado de querer abrir o gás."

(Caio Fernando Abreu - Pálpebras de Neblina; Pequenas Epifanias)



Saiu o Semeador a semear
Semeou o dia todo
e a noite o apanhou ainda
com as mãos cheias de sementes.
Ele semeava tranqüilo
sem pensar na colheita
porque muito tinha colhido
do que outros semearam.
Jovem, seja você esse semeador
Semeia com otimismo
Semeia com idealismo
as sementes vivas
da Paz e da Justiça.


Cora Coralina.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

17 anos sem Tom Jobim.



Parece que dizes
Te amo, Maria
Na fotografia
Estamos felizes
Te ligo afobada
E deixo confissões
No gravador
Vai ser engraçado
Se tens um novo amor
Me vejo a teu lado
Te amo?
Não lembro
Parece dezembro
De um ano dourado
Parece bolero
Te quero, te quero
Dizer que não quero
Teus beijos nunca mais
Teus beijos nunca mais

Não sei se eu ainda
Te esqueço de fato
No nosso retrato
Pareço tão linda
Te ligo ofegante
E digo confusões no gravador
E desconcertante
Rever o grande amor
Meus olhos molhados
Insanos, dezembros
Mas quando me lembro
São anos dourados
Ainda te quero
Bolero, nossos versos são banais
Mas como eu espero
Teus beijos nunca mais
Teus beijos nunca mais

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011




Caí em meu patético período de desligamento. Muitas vezes, diante de seres humanos bons e maus igualmente, meus sentidos simplesmente se desligam, se cansam, eu desisto. Sou educado. Balanço a cabeça. Finjo entender, porque não quero magoar ninguém. Este é o único ponto fraco que tem me levado à maioria das encrencas. Tentando ser bom com os outros, muitas vezes tenho a alma reduzida a uma espécie de pasta espiritual. Deixa pra lá. Meu cérebro se tranca. Eu escuto. Eu respondo. E eles são broncos demais para perceber que não estou mais ali."

Bukowski



"Eu sou e sempre fui vítima do amor.
Porque amor demais prejudica.
Porque o amor de menos prejudica.
Porque o amor é feito bebida:
Tem que tomar a dose certa."

Cazuza.


"Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos... Essa... a alegria que ele quer."

Guimarães Rosa.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

" Se você sabe explicar o que sente,
não ama,
pois o amor foge de todas as explicações possíveis."


(Drummond)



Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo.

Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação.

Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.

A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso.

A única magia que existe é a nossa incompreensão.

(Caio Fernando Abreu)