terça-feira, 8 de dezembro de 2009




    Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
    Não achas, soprando por tanta solidão,
    Deserto, penhasco, coval mais vazio
    Que o meu coração!

    Indômita praia, que a raiva do oceano
    Faz louco lugar, caverna sem fim,
    Não são tão deixados do alegre e do humano
    Como a alma que há em mim!

    Mas dura planície, praia atra em fereza,
    Só têm a tristeza que a gente lhes vê
    E nisto que em mim é vácuo e tristeza
    É o visto o que vê.

    Ah, mágoa de ter consciência da vida!
    Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
    Que rasgas os robles - teu pulso divida
    Minh'alma do mundo!

    Ah, se, como levas as folhas e a areia,
    A alma que tenho pudesses levar -
    Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
    De eu ter que pensar!

    Abismo da noite, da chuva, do vento,
    Mar torvo do caos que parece volver -
    Porque é que não entras no meu pensamento
    Para ele morrer?

    Horror de ser sempre com vida a consciência!
    Horror de sentir a alma sempre a pensar!
    Arranca-me, é vento; do chão da existência,
    De ser um lugar!

    E, pela alta noite que fazes mais'scura,
    Pelo caos furioso que crias no mundo,
    Dissolve em areia esta minha amargura,
    Meu tédio profundo.

    E contra as vidraças dos que há que têm lares,
    Telhados daqueles que têm razão,
    Atira, já pária desfeito dos ares,
    O meu coração!

    Meu coração triste, meu coração ermo,
    Tornado a substância dispersa e negada
    Do vento sem forma, da noite sem termo,
    Do abismo e do nada!

    Fernando Pessoa, 16-2-1920.

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