quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010






É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.

Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora



E sozinha supor
Que se estivesses dentro



Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora



Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria

O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.



II

Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu



Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.



III

A minha Casa é gurdiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência



E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.



A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?



IV

Porque te amo
Deverias ao menos te deter

Um instante
Como as pessoas fazem

Quando vêem a petúnia
Ou a chuva de granizo.



Porque te amo
Deveria a teus olhos parecer

Uma outra Ariana
Não essa que te louva



A cada verso
Mas outra



Reverso de sua própria placidez
Escudo e crueldade a cada gesto.



Porque te amo, Dionísio,
é que me faço assim tão simultânea
Madura, adolescente



E por isso talvez
Te aborreças de mim.

(...)




[Hilda Hist]

Nenhum comentário:

Postar um comentário