quarta-feira, 25 de novembro de 2009



Quem pagará o enterro e as flores, Se eu me morrer de amores? Quem, dentre amigos, tão amigo Para estar no caixão comigo? Quem, em meio ao funeralDirá de mim: — Nunca fez mal...Quem, bêbado, chorará em voz alta De não me ter trazido nada?Quem virá despetalar pétalasNo meu túmulo de poeta?Quem jogará timidamenteNa terra um grão de semente?Quem elevará o olhar covardeAté a estrela da tarde?Quem me dirá palavras mágicas Capazes de empalidecer o mármore?Quem, oculta em véus escurosSe crucificará nos muros?Quem, macerada de desgostoSorrirá: — Rei morto, rei posto...Quantas, debruçadas sobre o báratroSentirão as dores do parto?Qual a que, branca de receioTocará o botão do seio?Quem, louca, se jogará de bruçosA soluçar tantos soluçosQue há de despertar receios? Quantos, os maxilares contraídosO sangue a pulsar nas cicatrizesDirão: — Foi um doido amigo...Quem, criança, olhando a terraAo ver movimentar-se um verme Observará um ar de critério?Quem, em circunstância oficialHá de propor meu pedestal?Quais os que, vindos da montanhaTerão circunspecção tamanhaQue eu hei de rir branco de cal?Qual a que, o rosto sulcado de ventoLançara um punhado de sal Na minha cova de cimento? Quem cantará canções de amigoNo dia do meu funeral? Qual a que não estará presentePor motivo circunstancial?Quem cravará no seio duroUma lâmina enferrujada?Quem, em seu verbo inconsútilHá de orar: — Deus o tenha em sua guarda.Qual o amigo que a sós consigoPensará: — Não há de ser nada...Quem será a estranha figuraA um tronco de árvore encostadaCom um olhar frio e um ar de dúvida?Quem se abraçará comigo Que terá de ser arrancada?Quem vai pagar o enterro e as floresSe eu me morrer de amores?

Vinicius de Moraes

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